Um amigo querido “Padre Jair” Elaine dos Santos
Um amigo querido: Padre Jair
O menino nascido no Passo dos Brum, cuja mãe reunia os filhos, antes das refeições, para que rezassem e agradecessem o pão de cada dia, fez-se padre. O bom e querido Padre Jair.
Eu tenho o costume de dizer que as pessoas na minha cidade, Restinga Seca, que têm pensamento retrógrado, conservador, alienado, são aquelas pessoas cuja visão do mundo não ultrapassa a ponte sobre o rio Vacacaí Mirim. Às vezes, as pessoas viajam muito, conhecem muitos lugares, mas permanecem apegadas a costumes ultrapassados, a valores ultrapassados, não conseguem entender que o mundo se transforma. Desde que comecei a conviver com o Padre Jair, eu aprendi muito.
Em primeiro lugar – e me considero uma pessoa “à toa” (a denominação que concedi para pessoas que têm certeza que não possuem um “terreninho garantido” no céu) -, reaprendi os valores daquilo que nos é mais humano: sermos humanos, feitos de sangue, vísceras, músculos, nervos, limitados por natureza (caso contrário, seríamos deuses). Padre Jair acolheu sempre a todos, visitava as comunidades, conversava (mesmo que fosse na rua) com todos, tinha uma palavra de conforto para todos e um sorriso na hora que um sorriso era necessário, uma brincadeira, um afago para quem se acercasse dele.
Sou impaciente e, confesso, não tenho muita tolerância com gente chata, dogmática. Nas conversas com o Padre Jair – e não foram poucas conversas -, fui reaprendendo os valores ensinados em casa, que é preciso entender as limitações inerentes ao ser humano, perdoar quem é incapaz de perdoar e entender quem é incapaz de entender. Durante a pandemia, manifestei o meu desconforto com as atitudes de jovens – incluindo ex-alunos – cuja história de vida eu conhecia. Pessoas dóceis, meigas, amáveis que passaram a manifestar raiva, ódio, intransigência e Padre Jair me disse: “Grandes crises apuram caracteres”, fui para casa e refleti: quem é bom, melhora; quem não é… rezei pelos raivosos, intolerantes para que Deus abrandasse os seus corações.
Mas também sou muito presunçosa, né?! Como não aprender com o menino que nasceu e cresceu ali na divisa entre Formigueiro e São Sepé, que gosta das lides rurais, mas que conhece a língua latina, conhece a língua grega, estudou em Roma e sabe transitar pelo Vaticano, que serviu no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal. Padre Jair é um erudito que se expressa na simplicidade. Nem que eu nascesse de novo, eu aprenderia o que ele sabe, o que ele vivenciou no seio da Igreja Católica, nos seus estudos de Teologia, de Filosofia e outras “sofias”.
É claro que ele foi preparado, na universidade da vida e nas universidades oficiais, a entender o homem comum, que pauta a sua vida pelo senso comum, sem reflexão; é claro que ele foi preparado para ter paciência (coisa que me falta, apesar das minhas titulações acadêmicas) com gente preconceituosa, insensível – como eu quereria ter convivido mais com ele para desenvolver essa grandeza humana!
Quando em 12 de janeiro de 2022, um ano atrás, tornou-se público que o Padre Vilson Venturini assumiria a Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Restinga Seca, e o Padre Jair estava indo para a Paróquia Nossa Senhora das Mercês, em São Sepé, eu acompanhei os comentários da comunidade restinguense nos fóruns disponíveis nas emissoras e jornais locais. A minha gente, os restinguenses, lamentavam a saída do Padre bonachão, relatavam um pouco das suas ações no interior, da sua parceria para fazer acontecer as atividades nas capelas e, o que me parecia especial, referiam a importância do Padre Jair na vida pessoal de muitos, falavam de carisma, de acolhimento, de compreensão, de partilha, de aconselhamento e havia duas palavras que se repetiam: pai e irmão, que eu traduzi numa só: amigo. Quando o seu confessor, quando o seu pastor se faz amigo, ele alcançou um patamar inigualável, ele alcançou a sua confiança.
Mesmo depois que o Padre Jair passou a atuar em São Sepé e mesmo sendo amiga do Padre Vilson desde 1900 e me esqueço, ainda mantenho certo contato com o “menino do Passo dos Brum”. Recentemente, ele me disse algo como: “Há coisas fundamentais que nos cabem fazer”. Dias atrás, acompanhando o fórum do Jornal do Garcia, vi/li as pessoas referindo a importância que Padre Jair havia concedido à possibilidade de retomar a festa de Nossa Senhora do Rosário, que está nos anais da História oficial de São Sepé e que caiu no esquecimento. Pensei (cá comigo e com os meus botões): “há coisas fundamentais que nos cabem fazer”. Tomara que a comunidade sepeense não perca esse ânimo e retome as festividades de Nossa Senhora do Rosário, para que ela seja tão linda como a Festa do Divino – que Padre Jair empenhou-se em fazer com tanto cuidado e fé -, de modo que toda a sociedade, em seus diversos segmentos, sinta-se representada no seio de uma igreja, a Igreja Católica, que não cobra nada dos seus fiéis, a não ser a fé em Deus e a partilha entre aqueles que seguem os seus mandamentos.
Elaine dos Santos
Prof. Dra. em Letras/UFSM