É A FONTE DA BICA QUE FAZ VOLTAR OU É SAUDADE MESMO- Maurício Rosa
Lopes chegava em casa, após mais uma passada no bar, depois do trabalho. O problema era que isso se repetia há meses, e ele sempre chegava bêbado, avançando nas panelas, deixando a louça na pia, tomando banho e esquecendo as cuecas penduradas na torneira do chuveiro. Rose, sua esposa, precisava sair da cama para acordá-lo, ele sempre sentava no sofá, dormia e roncava tão alto que acordava os filhos.
– Lopes – dizia ela – vem pra cama seu porco.
– Já vou.
Todo dia a mesma coisa e, na sexta-feira, era pior. Sem horário para retornar e quando chegava, era aos gritos, brigando por comida fria, fazendo vexame e ofendendo sua esposa. Rose resolveu consultar sua mãe que, há tempos, já recomendava que ela aceitasse uma oferta de emprego fora da cidade.
Em mais uma noite de ebriedade, Lopes chegou e repetiu a rotina torpe de sempre, mas, mesmo com os olhos embaralhados, ele percebeu um bilhete na geladeira.
“Fui embora, aceitei aquele emprego, as crianças ficaram com mamãe, por enquanto, e sobre a casa, conversamos ao longo dos próximos meses, você não é mais o homem que eu conheci”.
Lopes entrou em desespero. Foi ao quarto e viu tudo vazio. E na beira do sofá, sentou e chorou. No dia seguinte, foi à casa da sogra ver as crianças. A mãe de Rose nem falou com ele. No emprego, contou ao seu melhor amigo, Fonseca, este recomendou-lhe uma cartomante. E Lopes logo procurou tal mulher.
– Perdeu a mulher? Perguntou ela.
– Sim.
– Nas minhas cartas aparece uma viagem, ela foi embora para outra cidade?
– Sim, como faço para ela voltar? Ela é a mulher da minha vida.
– Está vendo esta carta aqui? Carta de decepção, ela cansou de ti.
– Pelo menos ainda me ama?
– Difícil essa, ela, sinceramente, pensa mais nos filhos.
– Como faço pra ela voltar?
– Tem umas coisas que podemos fazer, conversar com alguns Orixás, mas tem um preço.
Lopes deu um pulo da cadeira com o valor, pagou a cartomante e foi embora. No outro dia, disse a Fonseca que não acreditava nessas coisas e que nem sabia porque tinha ido lá. Então, seu amigo teve uma nova ideia.
– Vai atrás.
– Será?
– Claro, mostra que está arrependido e que a ama muito e vai mudar. E não esquece de uma coisa.
– O quê?
– Vai na fonte da bica e enche uma garrafa, conhece a lenda, né? Quem bebe sempre volta.
Lopes, dois dias depois, entrou num ônibus com uma pequena mala e uma garrafa com água da fonte da bica. Na cidade para onde Rose havia mudado, ele foi direto ao local de emprego dela. Rose ficou surpresa.
– O que está fazendo aqui?
– Arrependimento.
– Tarde demais.
– Vamos conversar Rose, por favor.
– Agora não posso, saio daqui a meia hora. Espera?
– Claro.
Ao fim do expediente dela, ambos conversaram, ele pediu desculpas por tudo, e ela notou uma sinceridade nunca vista.
– Quando tu voltas? Perguntou ela?
– Agora só amanhã. Pela manhã tem um ônibus, mas eu queria que fostes comigo.
– Não. Acabou Lopes. Só quero que isso seja feito da melhor maneira para que as crianças não sofram muito. Estou na casa de uma amiga, pode ficar no sofá, se quiser.
– Tudo bem. Calor, né? Ainda bem que tenho água aqui.
Após ele beber, ofereceu a ela.
– Quer um pouco?
– Sim, não deu tempo de beber muita água hoje lá na fábrica.
– Fique com a garrafa. Disse Lopes.
Rose bebeu toda a água e na primeira lixeira de lixo seco, descartou-a. Ele sentia-se eufórico, mas fingia. Na casa da amiga de Rose, eles ficaram a sós, a senhoria não passaria a noite em casa.
– Vou tomar banho e arrumar algo pra gente comer. Disse Rose.
Lopes aguardou e depois tomou banho também.
No jantar, ela foi dura com ele. Fez ele se sentir tão mal que quase não conseguiu comer. Por fim, ela arrumou o sofá para ele descansar e foi para o quarto. No dia seguinte, ele embarcou cedo e disse que se não foi o melhor marido, seria o melhor ex. Tentaria, pelo menos.
Seis meses depois, falando-se apenas por telefone, ele já havia até perdido as esperanças. Mas nenhum deles havia arrumado outra pessoa.
Quase completando onze meses, as crianças estavam na casa de Lopes quando ele mesmo fora surpreendido com gritos e pulos.
“Mamãe, mamãe, voltou”.
Ele encheu os olhos de emoção e ela veio em sua direção e disse:
– Mamãe me contou de ti nesses últimos meses, até perdeu peso. Promete que manterás tua palavra e irá mudar?
– Sim. Amo-te. Respondeu ele.
– Que nojo, disse uma das crianças. Vendo ambos trocarem beijos e abraços.
No dia seguinte, radiante, Lopes presenteou Fonseca com uma garrafa de vinho.
– Tu achas que ela voltou por causa da água? Perguntou Fonseca.
– Prefiro acreditar que foi por amor, mas a água não teria me levado até ela.
– Tem razão.
– Nunca pensou em fazer isso com tua ex? Perguntou Lopes a Fonseca.
– Já, mas ela tem um problema na bexiga que não segura muito as coisas. Bebeu, mijou. Então, não dá tempo da mágica da Bica fazer efeito.
– Que pena.
– Pena nada, perdi uma, mas agora tenho quatro e acredite meu amigo, dou conta de todas e ainda sobra energia. Elas me chamam de Monster Fonseca.
– Menos, menos.
OBRIGADO PELA LEITURA.