O BBB do Pobre- Maurício Rosa
O programa passou por uma renovação, a emissora tradicional perdeu os direitos e quem assumiu foi uma menor. O objetivo era trazer pessoas para um ambiente mais simples. Mas acho que a produção exagerou um pouco na simplicidade.
O comercial passa e, ao vivo, entra o apresentador, Jadeu.
– Olá meus irmãos, meus heróis. Orgulho da pátria, como estão?
Os sisters se olharam e questionaram quem começaria a falar. Ninguém se chamava pelo nome, mas por uma simples combinação de letra e número. Sister um = S1. Era a terceira semana na casa e a coisa estava um caos.
– Como estamos seu Jadeu? Questionou S2, o chuveiro queimou, a chapinha queimou o sabonete acabou e a privada nem se fala, por favor. Eu esperava outra coisa. E shampo não vou nem comentar.
– Eu também tenho uma reclamação, disse S3, uma prova do líder onde quem vence é quem tira mais limo da piscina vazia? Uma coisa que era pra estar cheia e a gente relaxar. E outra pra ver quem aguenta mais tempo dentro de um chevete fechado, nesse calor?
– Calma meus heróis, disse Jadeu, estamos passando por problemas com patrocinadores, aliás, já fechamos com um hoje.
Todos curiosos perguntaram em uníssono.
– Quem?
– A maior produtora de miojo do Brasil.
– Não! Gritou S4, eu quero sair daqui. Cadê o botão pra sair.
– Não tem botão. Agora aguenta fia.
– Quando vão arrumar o chuveiro? Perguntou S2.
– O Josenildo Cilon, nosso faz tudo, em breve estará aí. Mas vamos falar da festa de hoje.
– Ah! Nem pensar, disse S4, festa com cachaça barata, limão estragado e baldes de gelo sem gelo, o pastel de vento tinha tanto vento que na primeira mordida desmanchou meu penteado. E as músicas, por favor: “mentirosa”, “pegando o onibus”, “Maria tcha tcha tcha”. No outro dia não tem uma aspirina, um paracetamol e nem um mísero chá boldo. Por mim sem festa.
– Nem no funk do Tonhão eu passo tão mal de ressaca e olha que a gente nem sabe a procedência do churrasquinho, mas nunca ninguém passou mal, só que ninguém mais tem gato na favela. Estranho isso, agora que pensei. Disse S6.
– Alguém mais quer se pronunciar? Perguntou Jadeu.
– A grama da casa está tão grande que esses dias eu levei duas horas pra achar meu chinelo e já aviso, acho que vi uma cobra.
-E o ratinho que vocês adotaram, onde está?
Silêncio total.
– Não acredito que vocês… falou Jadeu.
– Botamos no feijão. Disse S5.
– Mas a gente envia comida pra vocês toda semana, não sejam mentirosos.
– Olha pra minha cara seu Jadeu e vê se eu sou mulher de comer enroladinho de salsicha, pastel com guisado ou cachorro quente com salsicha quadrada.
Aquele molho estava tão aguado que vocês usaram só a casca do tomate e não o tomate. A coxinha era pura massa e os doces estavam amargos. Saindo daqui eu vou fazer uma lavagem estomacal urgente. Disse a S3.
– Eu tive diarreia e foi o molho dos dogs. Disse o S7.
– Então foi você que entupiu o vaso, aquilo que você deixou lá parece um guarda chuva.
– Tá bom, reapondeu S7, vai dizer que a madame não caga também?
– Meu nome é Lúcia Silwa com w, me respeite. Para pronunciar meu nome, precisa ter noção de fonética, meu amor…Sil l Wa. Prende a língua atrás dos dentes, depois solta quase mordendo o lábio inferior.
– Oh seu Jadeu, chamou S8, a casa tá impregnada, tem gente aqui fedento mais que bicho morto, daqui a pouco estaremos cheio de urubu em volta, tem incenso aí? Pode mandar? E tem mais, os mosquitos nos quartos, os lençóis estão duros, o meu já tem a marca do meu corpo.
– Daremos um jeito, prometo. Já que não querem nosso lanche normal, que tal uma bela lasanha, o que acham?
– Nem pensa em mandar as de microondas. Eu quebro tudo aqui. Disse S8.
– Outra coisa seu Jadeu, disse S3, o quarto do lider, por favor, parece um cativeiro. Tem barata e aranha, não foi concluído porque o reboco tá soltando. E a lâmpada faz um barulho estranho quando liga.
– Mas tem TV e de 50 polegadas.
– Mas só passa filme antigo, quando funciona. Abri o frigobar, só tinha uma garrafa de água pela metade e ainda mandaram fotos da minha família. Gente, eu nem tenho família. Meus pais morreram já, eu moro sozinha aqui em SP.
– Bom, já que não teremos festa, que tal montarmos o paredão? Dar uma emoção a mais.
Todos gritaram em uníssono.
– EU QUERO IR. BRASIL ME TIRA DAQUI, PELO AMOR DE DEUS. SOCORRO!
– Calma pessoal, só pode três, vamos votar.
Mas a coisa saiu do controle. Todos começaram a trocar tapas e socos, quebrar pratos, copos, jogar cadeiras uns nos outros, um clube da luta ao vivo. Até restarem somente S2, S4 e S7.
Uma equipe médica entrou e revisou o local. O restante estava apenas ferido, mas o local realmente fedia muito.
– Bom, vamos abrir a votação, disse Jadeu, dias após a paulera, para conhecer, finalmente, o grande vencedor do nosso fusca turbinado com três cestas básicas contendo maravilhosos e recheados bifes empanados.
– S4 ganhou e quando saiu, arrancou o microfone da mão de Jadeu e denunciou tudo.
– Passei fome, tô fedendo, com virose, quase morri, minha coluna destruída, aquelas camas parecem madeira pura e há dias não escovo meus dentes. Sintam o bafo.
Com o ar-condicionado, o cheiro se espalhou e a plateia passou mal.
Jadeu retomou a palavra.
– Bom pessoal, essa foi a nossa grande campeã, até ano que vem.
Na saída, a sister vencedora se deparou com um fusca velho, com rodas murchas e dentro uma sacola cheia de comida. Procurou os bifes empanados e comeu um puro. Chorou por ter sido tão humilhada, mas Deus logo agiu. Quando acessou seu telefone, tinha milhões de novos seguidores. Entre eles, Ronaldinho Gaúcho. A empresa Sadia queria ela em uma propaganda. Em contato, acertaram tudo e a primeira pergunta foi: antes, eu posso tomar um longo banho e comer um daqueles presuntos que aparecem na televisão?
No ano seguinte, devido a baixa audiência do anterior. A emissora precisou cancelar o programa.
A vida aqui fora, apesar de difícil, oferecia mais opções de resolução dos problemas. Então, agradeça pelos problemas e mais ainda por ter como resolvê-los, tem gente que nem isso consegue e ainda fica dependendo da “boa” vontade alheia.
Obrigado pela leitura.