”A Ganchera” Maurício Rosa

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A “GANCHERA”.

Janete acorda cedo, vai ao banheiro fazer suas necessidades, depois toma um rápido banho, lava o rosto, escova os dentes e vai até a cozinha. Enquanto a água para o mate esquenta, ela coloca ração para seus gatos e estende as roupas que ficaram na máquina. Um ritual diário, antes da oração para um dia bom.

Após cumprir as tarefas, ela sai para uma breve caminhada. Na escada, encontra sua vizinha Ângela.

– Bom dia, Janete – diz Ângela – tudo bem?

– Bom dia, vizinha – respondeu ela – estou bem. Vestido novo?

– Sim! Minha filha me deu. O que achou?

– Ficaria melhor há alguns anos quando você era mais magra.

A primeira “furada” teve seu sucesso. Sem despedidas, Janete seguiu descendo até o portão de saída do prédio. Já na calçada, à sua frente, várias amigas faziam caminhada e exercícios. O Sol se apresentava com esplendor e veemência. A primeira amiga que observa é Lourdes.

– Bom dia, querida.

– Bom dia, Janete. Disse Lourdes de forma fria e impaciente.

– Há tempos não a via. Emagreceu.

– Esse é o propósito.

– Esses dias vi Álvaro, seu ex, a nova esposa é jovem mesmo, juro que achei que era filha. Esses homens atuais estão bem espertos.

– Tchau, Janete. Disse Lourdes.

A próxima vítima foi Maria.

– Bom dia, Maria.

– Oi, Janete.

– E essa barriguinha? Melhor parar com a cevada e voltar para o hibisco.

– Tchau!

Sem sucesso com as amigas, ela lembra que precisa comprar mistura para o almoço. Observa Paulo abrindo seu mercadinho e direciona-se ao estabelecimento.

– Paulo, tudo bem?

– Oi, Janete. Disse ele, suspirando.

– Preciso de frango, mas sem tempero. Você coloca muito alho.

– Sirva-se, está tudo lá no congelador.

Janete escolheu um pedaço pequeno. Chegou no balcão e serviu mais um pouco de água no mate.

– Vi tua ex esses dias – disse ela deixando ele triste – rapaz novo o dela, né? Parecia filho, mais aí lembrei que vocês não têm.

– Mais alguma coisa?

Ao voltar para casa, seu telefone toca. Sua filha lembra que a noite terá a festa de réveillon. Ela diz que não havia esquecido e que vestirá branco por ser uma mulher da paz. Assim que desliga o aparelho, lembra que precisa ir ao velório do marido de uma amiga da igreja. Chama um taxi às pressas e sai. No local, senta-se sozinha, ninguém fica ao seu lado, quando surge a oportunidade, aproxima-se do caixão. Atrás dela, uma pessoa estranha, mas perto o suficiente para ela puxar conversa.

– Diz que morreu fazendo amor – diz ela – com a empregada. Parece que a guria está grávida, mas eu só comento. Fofoqueiro é quem me conta.

A ouvinte fica chocada e afasta-se assim que tem a primeira chance.

Janete, não satisfeita, chega na viúva.

– Luzia, querida, meus sentimentos. Que Deus alivie essa tua dor imensa, o Joares era um homem muito cativante. Posso dar uma sugestão?

– Fala Janete.

– Próxima vez tem que ter algo para comer. Sei lá, uns biscoitos.

– Próxima vez?

– É, ainda tem bastante gente na tua família para morrer. Claro que não precisa ser para já.

– Tchau, Janete.

No caminho, de volta para casa, apronta ainda mais. Encontra a filha de uma amiga que acabara de recuperar-se de uma longa depressão por causa do namorado.

– Ainda bem que você, menina, parou de sofrer por causa daquele lá. Era um bagaceiro infiel, gastava o dinheiro que não tinha com mulheres, festas e mais mulheres e mais festas. Eu sei de umas cinquenta que ele pegou enquanto estava contigo.

– Cinquenta? – Perguntou a menina – eu achei que era só uma.

– Desculpa, foi o que me contaram, eu só comento.

Na esquina, gritou para Rodolfo.

– E aí meu amigo, fiquei sabendo que arrasou no baile, dançou até em cima do palco.

Porém, a mulher de Rodolfo vinha logo atrás e não sabia de baile algum. “Em casa a gente conversa, Rodolfo”. Disse ela.

A consciência de Janete pouco pesava.

“Fofoqueiro é quem me conta, eu só comento”.

Quase chegando em casa, encontra Seu Elias, um homem que havia mudado de vida após anos e anos tratando de um câncer.

– Oh, Seu Elias, quase oitenta anos e correndo, todo atlético.

– Sim! Resolvi recuperar o tempo perdido.

– Cuidado, tem gente que melhora para morrer.

A VIRADA.

Cinco, quatro, três, dois, um. Feliz 2023.

– O sogro da filha de Janete abre as bebidas e comete uma grande burrada ao perguntar se alguém queria dizer algumas palavras. Janete pega o microfone. Sua filha, Elaine, põe as mãos no rosto e suspira “ai meu Deus”.

– Estou feliz de estar aqui hoje. Com essa família linda, minha filha e meus netos. Amo-te filha. Mas eu preciso dizer uma coisa.

– Mamãe, por favor.

– É para seu bem, Elaine. Todo mundo sabe que seu marido é infiel, toda vez que ele viaja por mais de mês, é para visitar a outra família. Esses dias recebi uma foto do filho que eles têm. O guri é a cara dele. Vem morar comigo, vamos enfiar uma pensão bem gorda no bumbum desse sem vergonha.

– Mamãe, por favor, a vida é minha. Deixe de ser fofoqueira.

– Minha filha. Fofoqueira? Eu? A fofoca faz quem me conta, eu só comento.

Horas depois, em casa e deitada na sua cama, Janete conversa com seus cinco gatos.

-Não sei o porquê das pessoas terem tanto problema com a verdade. Eu não crio nada, só comento.

Os cinco gatos descem da cama ao mesmo tempo. Os quatro primeiros passam pela porta e o último, que se chama Mimo, olha para ela, levanta a pata, arranha o ar e rosna. “Miaaaau”.

Miau esse que, na língua dos gatos, quer dizer: fofoqueira. Janete, que fala a língua dos felinos, revolta-se. Ela anda até a porta, fecha e se joga na cama.

Fofoqueira? Eu? A fofoca faz quem me conta, eu já disse, mais de mil vezes, eu só comento.

Deitada, em sua cama, ela observou debaixo do guarda roupas uma cueca de seu ex-marido Valdir. Lembrou-se do dia em que ele fez as malas e, na porta de saída, questionou:

– Por que vai embora, “homi”, vai me deixar sozinha?

Por que será?