Conto, Mas Não Canto: Elpídio Santana
“Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”.
“Em qual circunstância histórica isso se justifica? Em qual circunstância a escravização se justifica por ausência de virtude? A escravização é um dos piores atos da humanidade. (Deputado Estadual Matheus Gomes).
Aprendemos nos bancos escolares que um hino deve ser cantado com respeito, altivez e galhardia, mormente, quando a sua letra louva ou enaltece algo que nos orgulha.
O negro afro riograndense não se orgulha ao cantar um hino que contém uma estrofe que remete à dúvidas e confunde aqueles que pouco ou nada sabem da escravidão e do genocídio do povo negro, sob o comando dos colonizadores.
Mas, não confunde os que conhecem a história. Ainda que seja fruto da tal liberdade poética, a estrofe falaciosa fere os brios do povo afrodescendente, eis que seus antepassados foram escravizados por mais de 300 anos. Bem entendido que o autor do Hino Rio Grandense, na estrofe em tela, transmite a mensagem de não submissão a quem quer que seja. Entretanto, castiga os afro descendentes com a chibatada literária que não há de se perpetuar.
É fato, a humanidade teve períodos perversos como na Segunda Guerra Mundial quando povos, principalmente, judeus eram submetidos a trabalhos forçados, sacrificados em câmaras de gás por serem opositores ao regime.
Tratados como “ raça inferior” e inimigos, segundo a ideologia nazista. A idéia de superioridade imperava e se materializava pela força.
Bem diferente, o regime escravocrata no Brasil foi adotado por questões econômicas O comercio de negros escravizados era regulamentado, inclusive, financiado por bancos oficiais.
Em 1838, quando escrita a primeira letra do hino, navios negreiros cruzavam o atlântico. Brancos revolucionários e negros lutavam parelhos contra as forças imperiais, aqueles pela liberdade econômica, estes pela própria liberdade. Nesse contesto foi escrito o hino, cuja letra foi alterada pela terceira vez.
A liberdade poética, ainda que admitida, para enaltecer a bravura dos Senhores da Guerra de 35, esqueceu o tormento do povo escravizado, para o autor, sem virtudes.
Todavia, não deve prosperar a ideia de preservação da estrofe que desonra, desestima e menospreza um povo e seus descendentes.
Levantem! Zumbi, Oliveira Silveira, guerreiros e poetas dos escravos, para dizer juntos com os que ainda estão em pé, que religiosidade, bondade, justiça e, principalmente, coragem são virtudes que não nos faltarão para defender a memória de nossos antepassados.
José Elpídio Santana
Membro do Grupo 20 de Novembro