A condição de cada um- Mauricio Rosa

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Hoje, Domingo, 2 de Abril, é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. O escritor sepeense Maurício Rosa nos enviou uma crônica sobre o tema.

A CONDIÇÃO DE CADA UM. (Uma crônica sobre TEA).

Oto nasceu no dia oito de abril de 2000. Após um trabalho de parto tenso, meses de preparação, cuidados e expectativa, ele chorou às 10h da manhã. O telefone de Lúcia, sua mãe, não parava de tocar com recebimento de mensagens, ligações e todos os tipos de manifestações referente ao nascimento do seu primeiro e único filho. O pai, João, comprou um pijama do Grêmio e preparou o quarto durante meses.

Dias depois, Oto foi para casa. A rotina mudou completamente, a casa que antes cheirava a lavanda e incensos, agora exalava outros tipos de aromas. As noites ficaram curtas, os dias longos, as idas à farmácia, frequentes. Pomada para assadura, fraldas, sabonete, shampoo, mais fraldas, remédios para cólica, febre, mais fraldas, talco, termômetro, fraldas e mais fraldas.

Lúcia, que antes cuidava as promoções do mercado, agora cuidava as da farmácia. Certa noite, Oto perdeu a chupeta, a rua inteira fez uma parceria, enquanto ele chorava, a cada minuto, em um tom maior.

As roupas aumentavam de tamanho a cada semana, os calçados também. Ao longo do tempo, a banheira ficou pequena e Oto começou a dar seus primeiros passos. Dias depois, já corria pela casa, assistia desenhos, brincava com montagens e carrinhos. Porém, sem emitir som algum pela boca. Um ano, dois, três, quatro, cinco.

João e Lúcia levaram seu filho em vários especialistas. Sempre recebendo o mesmo diagnóstico.

– Oto é portador de TEA. Ele e Autista.

Lúcia ficou confusa, começou a pesquisar sobre o assunto e até levava o garoto ao Centro de Autismo do município, que presta um ótimo trabalho.

Alguns diziam:

– Hoje em dia é tudo autista. Não fala, grita, bate na gente, nos colegas, chuta tudo e não para no colégio porque é autista. No meu tempo, a gente resolvia de outra forma. Lúcia respondia:

– Os tempos mudaram.

Já na escola, Oto sofria bullyng dentro da sala de aula, no pátio, banheiro, refeitório e até no trajeto para casa.

Autistas levam tudo ao pé da letra. Os colegas sabiam disso. Certa vez disseram pra Oto pegar uma bola. “Vai num pé e volta no outro”, disseram. Ele correu para buscar pulando com o pé direito e voltou usando o esquerdo.

Por isso, devemos falar da maneira mais explicativa possível com portadores de TEA.

Em casa, Oto adorava a coleção de livros, polígrafos antigos de vestibulares e concursos que sua mãe guardava. O garoto também amava foguetes, sabia nomes de inúmeros modelos. Na culinária, não ficava um dia sem comer seu misto quente acompanhado de leite com achocolatado.

Com uma ótima caligrafia, facilidade para cálculos e questões de múltipla escolha, Oto se destacava na escola, mas o fato de não dizer palavra alguma, ainda fazia com que o tratassem de maneira covarde.

 

Numa bela tarde de quinta-feira, Lúcia estava no seu emprego de enfermeira de posto de saúde quando recebeu uma ligação da escola. Tensa, trêmula e curiosa, correu para o local. Chegando, encontrou a professora de Oto acompanhada da educadora especial e da diretora da escola. Todas estavam radiantes.

– O que aconteceu? Perguntou Lúcia.

A professora falou:

– Hoje, durante a aula, perguntei a Oto, mais uma vez, se ele sabia alguma curiosidade, algo novo que impressionasse os colegas e que instigava seus sonhos. Fiquei surpresa quando ele falou.

– O quê?

– Sim, mãe. Ele disse que quer ser engenheiro espacial. Dissertou sobre as Leis de Newton, o movimentos do corpos, paradoxos temporais, buracos de minhoca, explosões solares e ainda fez uma conta no quadro a nível médio. Sem falar que achei isso na mochila dele.

– Dom Casmurro. – Disse Lúcia – Eu ganhei esse livro de uma colega de faculdade.

– E tem mais, mamãe – disse a professora – Oto apresentou-se á turma de forma muito interessante. Por favor, querido, diga seu nome.

– Meu nome é Oto. Um palíndromo. Igual Ana, ovo, vovo e sós. Palíndromos são palavras que podem ser lidas da direita pra esquerda e vice versa, sem perder o sentido.

Lúcia abraçou forte seu filho. Em seu ouvido direito disse:

– Eu sempre disse que você era incrível. Você não é diferente do mundo, é ele que precisa adaptar-se a você. Esta pureza no seu coração fará muita diferença na vida das pessoas.

Oto, com paciência, sabedoria e carisma, mostrou para todos, que passaram por seu caminho, que o problema nunca foi ele. Ele fazia uma diferença sim, mas muito benéfica. Formou-se no fundamental, médio e com honras na faculdade de Engenharia Especial.

O mundo segue estranho fora do círculo de Oto. Ele ainda sofre para andar de ônibus, tem problemas com gritos, passa por inúmeras discriminações, gosta de alinhar as coisas, fala no mesmo tom, continua desenhando foguetes espaciais e já tem o próprio apartamento.

O que ele pensa do mundo? Bom, ele não tem tempo, porque vive a vida que lhe foi dada. Não perde nenhum instante do seu dia com os males da civilização. Oto fez com que a sociedade respeitasse sua condição através das suas atitudes. O que muitos “normais” não fazem.

Essa humilde crônica, dedico ao meu sobrinho Caio, meu mini professor, que mudou a minha vida e da minha familia. Trazendo ensinamentos e renovando o sentimento do amor. Todo dia. Autistas não são diferentes, apenas veem o mundo de outra forma. Às vezes, muito melhor que nós.

Dica: assistam as séries “Good Doctor” e “Uma Advogada Extraordinária”.

Obrigado pela leitura.

MAURÍCIO ROSA.

ESCRITOR.