Delicinha você, Hein?  Maurício Rosa

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Delicinha você, Hein?

Hélio vestiu uma bela roupa social, colocou perfume, penteou os cabelos e disse a sua esposa Olívia que iria visitar sua mãe. Em pleno fim de tarde de domingo. Olívia seguiu sentada fazendo tricô, assistindo a um programa de auditório. Cerca de uma hora depois, ela percebeu que Hélio havia colocado perfume. Então, constatou a mentira, pensando: “minha sogra não pode nem com cheiro de perfume, ela é a velha mais alérgica do mundo”.

Na sequência, ela largou o tricô, trocou de roupa e saiu rumo ao bar do Antão. No local, achou seu marido conversando ao pé do ouvido com uma jovem morena. Ela aproximou-se do infiel momento e escutou Hélio dizer a menina: “você é uma delicinha”. Olívia se aproximou da mesa e disse em tom sereno e debochado.

– Se for levar para comer em casa, avise-me que coloco outro prato na mesa. Depois saiu.

Hélio chegou em casa trinta minutos depois. Tentou puxar assunto, explicar -se, mas o silêncio de Olívia era torturador.

No dia seguinte, ele começou com uma série de paranoias referente ao silêncio de sua esposa. A primeira foi ligada ao sono. Ele passava as noites acordado cuidando cada movimento de Olívia. Quando ela se mexia na cama, ele armava uma defesa para caso ela puxasse uma faca, arma ou facão. Também começou a tomar Ritalina, ele não podia dar bobeira. Então, começou a trocar a noite pelo dia.

Ao ir no banheiro, virava a chave e ficava de sentinela na maçaneta. Passava longe da cozinha, principalmente quando ela estava cozinhando e mexendo com objetos afiados.

Os dias foram passando, Hélio começou a perder peso, pois não comia nada que sua esposa preparasse. Nem os deliciosos sucos naturais gelados que eram sua especialidade.

Olívia começou a fazer lasanhas, risoto, pizza e sopas, tudo que ele mais adorava em sua culinária. As sobremesas também eram as melhores: mousse, ambrosia.

Seu estômago gritava pedindo: “vamos”, mas sua mente rebatia: “venenos são dolorosos e lentos”. Logo ele perdeu mais peso, as olheiras eram chamativas. Ele dormia nos cantos e até no banheiro da empresa. Começou a gastar muito com marmitas e lanches. Com medo das roupas também estarem envenenadas, ele começou a repeti-las, inclusive a cueca. Seu odor incomodava aos colegas, sua fraqueza preocupava a todas. Ele apenas dizia:

– Está tudo bem, tranquilo.

Em casa, Olívia seguia em silêncio. Sempre aguardava seu marido com sucos, café e biscoito. Ele, repleto de fome, olhava para tudo aquilo a sua frente e seu estômago dizia: “vamos”, mas sua mente rebatia: “venenos são lentos e dolorosos”.

De joelhos para ela, ele implorou, chorou, sua barriga roncou. Olívia pôs a mão no nariz, sinalizou o mal cheiro dele, depois pegou o controle e aumentou o volume da televisão.

Os dias seguiram e as condições de Hélio pioravam. Ele perambulava pela casa, pela rua com a boca seca, buscava água fora do lar, nas mangueiras de jardim dos vizinhos, que também estavam preocupados já que ele sempre fora um homem bem apresentado e sorridente.

Agora parecia um cadáver ambulante.

Mas um dia as cuecas endureceram, as roupas rasgaram, a Ritalina não fez mais efeito e de fome e infecção, ele caiu no sofá da sala, tudo devido a fraqueza de seu organismo.

No hospital, Hélio ficou vários dias para hidratação. Ao acordar, perguntou por Olívia.

– Ela apenas pagou o táxi que lhe trouxe aqui. Disse a enfermeira.

De volta para casa, com mais cor e esperançoso, ele encontrou ela no sofá e perguntou:

– Até quando vai ser assim?

– Assim o quê?

-Você me maltratando.

-Eu? O que maltrata você é a sua consciência.

-Então você não quer que eu morra?

– Se você estivesse morto, eu não teria tido os dias mais felizes da minha vida.

Ele tentou um abraço, mas sem sucesso.

– Tem sopa na geladeira, coloquei couve e muita batata. Disse Olívia.

Hélio, feliz, correu, esquentou a sopa, serviu-se, sentou à mesa e antes de ingerir a primeira porção, escutou uma voz mansa, ambiental e malevolamente irônica.

– Coma bem devagar, meu amor, está uma DELICINHA.