Minha mãe é uma palhaça: Mauricio Rosa

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MINHA MÃE É UMA PALHAÇA.

Primeiro dia de escola. Mariana está sentada bem na frente. A turma é pequena, mas ela sente-se ainda muito desconfortável. A professora Ana chega com muita empolgação. Um novo ano novo letivo se inicia e ela repete o ritual que faz anualmente. Uma breve apresentação de cada aluna. Mariana é a primeira ser convidada?

– Então Mariana, apresente-se para eu e seus colegas.

Ela fique em pé com os ombros para baixo, o rosto vermelho, veste uma calça jeans bem surrada, um tênis simples e uma camiseta da Mulher Maravilha que ganhou de sua mãe em seu último aniversário. Com a voz baixa ela diz:

-Meu nome é Mariana, tenho seis anos e minha mãe é uma palhaça.

Imediatamente todos começam a rir. Ela fica brava, faz bico e olha para trás completamente decepcionada.

A professora fica confusa e pede para ela sentar-se novamente. Então, dando um tempo para Mari, a professor Ana pede aos outros alunos que se apresentem.

Mariana mantém a postura de decepção. Ouve o depoimento de cada colega. Após isso, a professora retorna a faltar com ela.

– Mari. Vamos de novo?

Ela levanta, e repete:

– Meu nome é Mariana, tenho seis anos e minha mãe é uma palhaça.

Mais uma vez, a graça e o deboche tomam conta da situação. Ela pergunta porque riem dela. Um dos colegas responde com uma pergunta:

– se sua mãe é uma palhaça, devemos rir, né?

A professora agacha na frente de Mariana e pede:

– você pode explicar isso melhor para a gente?

– Claro – disse ela confiante – é simples, desde que eu me lembro, só tenho minha mãe. Nunca vi meu pai. Um belo dia eu a vi falando no telefone e antes de desligar ela disse com os olhos úmidos: eu sou uma palhaça mesmo. Fiquei confusa e perguntei:

– mamãe, como você é uma palhaça se está sempre triste?

– Então ela pegou-me no colo, encheu meu rosto de beijo e disse que iria explicar.

– E ela explicou? Perguntou a professora.

– Sim. Ela disse que eu deveria imaginar nossa vida com um circo. Nossa casa era o picadeiro, ela era uma palhaça chamada Rosinha e eu sua assistente. Porém, nesse circo só tem nós duas e o único animal é o nosso cachorro Bilu.

– Mas como ela mantém um circo sem plateia? Perguntou um dos alunos.

– Com malabarismo – respondeu Mariana, sorrindo – mamãe faz muito malabares para comprar a pipoca, a paçoca, o cachorro quente e o refrigerante. Porém, todos esses malabares ela faz em outros picadeiros.

Com plateias mais ricas que pagam um bom ingresso para que nosso circo não caia. Ela faz malabarismos com pratos sujos que ficam limpos, com vassouras, aspirador de pó, produtos de limpeza, baldes, rodos, flanelas, esponjas e finaliza com roupas limpas. Ah! E engole muito sapo em vez de espadas. Certa vez fez malabares com fogo, mas a dona do picadeiro não gostou, os panos de prato que queimaram eram valiosos.

Naquele picadeiro mamãe nunca mais voltou.

– Interessante – disse a professora – sua mãe é uma palhaça muito batalhadora. Você deve ter muito orgulho dela.

– Sim. Não é fácil manter um circo sem plateia. Às vezes, até aparece alguém, mas nunca é para dar risada e sim para fazer ela chorar e tentar tirá-la de cena. Só que nunca conseguem.

– Gostei Mari. Obrigado por compartilhar isso conosco.

– De nada, professora.

No final, Joana, mãe de Mariana, foi buscá-la na escola. A professora ao vê-las, correu para abraçar a mãe.

Mariana, no colo de Joana, comentou:

– eu falei para a profe que a senhora é uma palhaça e que se chama Rosinha.

Joana ficou sem graça.

– Não dê importância para tudo que ela fala. Disse Joana, à professora.

– Sua filha é uma menina incrível, sinto que tem um belo futuro. E eu desejo que em breve o picadeiro vire um palácio, você uma rainha e sua filha uma linda princesa.

– Não sonho tanto e um palácio é muito grande.

– Nenhum espaço é grande demais quando dividido por duas pessoas que se amam. Como você, usei uma metáfora para dizer que você merece tudo que há de melhor nessa vida. Que a felicidade seja tão veemente entre vocês, quanto o brilho dos olhos de sua filha quando fala de você.

– Obrigada. Disse Joana, emocionada.

– Até amanhã.

Então Joana saiu com sua filha e deu a ela uma ótima notícia.

– Adivinha o que temos hoje no picadeiro?

– O que mamãe?

– Cachorro quente e de sobremesa, maçã do amor.

Mariana sorriu e bateu palmas. E vai ter show da palhaça Rosinha?

– Com certeza, mas essa noite, excepcionalmente, não haverá malabares. Os braços da mamãe estão bem doloridos.

– Tudo bem, mamãe. Se os palhaços choram, porque não sentiriam dor?

O circo (vida) de Joana, depende só dela para manter-se em pé. E o maior motivo para tanto esforço é a sua filha. E nesse caso, a plateia sempre será apenas um detalhe, porque, de todos que apareceram, poucos usam as mãos para aplaudir e a boca para elogiar.

Obrigado pela leitura.