O BBB do Pobre- Maurício Rosa

0
637

O programa passou por uma renovação, a emissora tradicional perdeu os direitos e quem assumiu foi uma menor. O objetivo era trazer pessoas para um ambiente mais simples. Mas acho que a produção exagerou um pouco na simplicidade.

O comercial passa e, ao vivo, entra o apresentador, Jadeu.

– Olá meus irmãos, meus heróis. Orgulho da pátria, como estão?

Os sisters se olharam e questionaram quem começaria a falar. Ninguém se chamava pelo nome, mas por uma simples combinação de letra e número. Sister um = S1. Era a terceira semana na casa e a coisa estava um caos.

– Como estamos seu Jadeu? Questionou S2, o chuveiro queimou, a chapinha queimou o sabonete acabou e a privada nem se fala, por favor. Eu esperava outra coisa. E shampo não vou nem comentar.

– Eu também tenho uma reclamação, disse S3, uma prova do líder onde quem vence é quem tira mais limo da piscina vazia? Uma coisa que era pra estar cheia e a gente relaxar. E outra pra ver quem aguenta mais tempo dentro de um chevete fechado, nesse calor?

– Calma meus heróis, disse Jadeu, estamos passando por problemas com patrocinadores, aliás, já fechamos com um hoje.

Todos curiosos perguntaram em uníssono.

– Quem?

– A maior produtora de miojo do Brasil.

– Não! Gritou S4, eu quero sair daqui. Cadê o botão pra sair.

– Não tem botão. Agora aguenta fia.

– Quando vão arrumar o chuveiro? Perguntou S2.

– O Josenildo Cilon, nosso faz tudo, em breve estará aí. Mas vamos falar da festa de hoje.

– Ah! Nem pensar, disse S4, festa com cachaça barata, limão estragado e baldes de gelo sem gelo, o pastel de vento tinha tanto vento que na primeira mordida desmanchou meu penteado. E as músicas, por favor: “mentirosa”, “pegando o onibus”, “Maria tcha tcha tcha”. No outro dia não tem uma aspirina, um paracetamol e nem um mísero chá boldo. Por mim sem festa.

– Nem no funk do Tonhão eu passo tão mal de ressaca e olha que a gente nem sabe a procedência do churrasquinho, mas nunca ninguém passou mal, só que ninguém mais tem gato na favela. Estranho isso, agora que pensei. Disse S6.

– Alguém mais quer se pronunciar? Perguntou Jadeu.

– A grama da casa está tão grande que esses dias eu levei duas horas pra achar meu chinelo e já aviso, acho que vi uma cobra.

-E o ratinho que vocês adotaram, onde está?

Silêncio total.

– Não acredito que vocês… falou Jadeu.

– Botamos no feijão. Disse S5.

– Mas a gente envia comida pra vocês toda semana, não sejam mentirosos.

– Olha pra minha cara seu Jadeu e vê se eu sou mulher de comer enroladinho de salsicha, pastel com guisado ou cachorro quente com salsicha quadrada.

Aquele molho estava tão aguado que vocês usaram só a casca do tomate e não o tomate. A coxinha era pura massa e os doces estavam amargos. Saindo daqui eu vou fazer uma lavagem estomacal urgente. Disse a S3.

– Eu tive diarreia e foi o molho dos dogs. Disse o S7.

– Então foi você que entupiu o vaso, aquilo que você deixou lá parece um guarda chuva.

– Tá bom, reapondeu S7, vai dizer que a madame não caga também?

– Meu nome é Lúcia Silwa com w, me respeite. Para pronunciar meu nome, precisa ter noção de fonética, meu amor…Sil l Wa. Prende a língua atrás dos dentes, depois solta quase mordendo o lábio inferior.

– Oh seu Jadeu, chamou S8, a casa tá impregnada, tem gente aqui fedento mais que bicho morto, daqui a pouco estaremos cheio de urubu em volta, tem incenso aí? Pode mandar? E tem mais, os mosquitos nos quartos, os lençóis estão duros, o meu já tem a marca do meu corpo.

– Daremos um jeito, prometo. Já que não querem nosso lanche normal, que tal uma bela lasanha, o que acham?

– Nem pensa em mandar as de microondas. Eu quebro tudo aqui. Disse S8.

– Outra coisa seu Jadeu, disse S3, o quarto do lider, por favor, parece um cativeiro. Tem barata e aranha, não foi concluído porque o reboco tá soltando. E a lâmpada faz um barulho estranho quando liga.

– Mas tem TV e de 50 polegadas.

– Mas só passa filme antigo, quando funciona. Abri o frigobar, só tinha uma garrafa de água pela metade e ainda mandaram fotos da minha família. Gente, eu nem tenho família. Meus pais morreram já, eu moro sozinha aqui em SP.

– Bom, já que não teremos festa, que tal montarmos o paredão? Dar uma emoção a mais.

Todos gritaram em uníssono.

– EU QUERO IR. BRASIL ME TIRA DAQUI, PELO AMOR DE DEUS. SOCORRO!

– Calma pessoal, só pode três, vamos votar.

Mas a coisa saiu do controle. Todos começaram a trocar tapas e socos, quebrar pratos, copos, jogar cadeiras uns nos outros, um clube da luta ao vivo. Até restarem somente S2, S4 e S7.

Uma equipe médica entrou e revisou o local. O restante estava apenas ferido, mas o local realmente fedia muito.

– Bom, vamos abrir a votação, disse Jadeu, dias após a paulera, para conhecer, finalmente, o grande vencedor do nosso fusca turbinado com três cestas básicas contendo maravilhosos e recheados bifes empanados.

– S4 ganhou e quando saiu, arrancou o microfone da mão de Jadeu e denunciou tudo.

– Passei fome, tô fedendo, com virose, quase morri, minha coluna destruída, aquelas camas parecem madeira pura e há dias não escovo meus dentes. Sintam o bafo.

Com o ar-condicionado, o cheiro se espalhou e a plateia passou mal.

Jadeu retomou a palavra.

– Bom pessoal, essa foi a nossa grande campeã, até ano que vem.

Na saída, a sister vencedora se deparou com um fusca velho, com rodas murchas e dentro uma sacola cheia de comida. Procurou os bifes empanados e comeu um puro. Chorou por ter sido tão humilhada, mas Deus logo agiu. Quando acessou seu telefone, tinha milhões de novos seguidores. Entre eles, Ronaldinho Gaúcho. A empresa Sadia queria ela em uma propaganda. Em contato, acertaram tudo e a primeira pergunta foi: antes, eu posso tomar um longo banho e comer um daqueles presuntos que aparecem na televisão?

No ano seguinte, devido a baixa audiência do anterior. A emissora precisou cancelar o programa.

A vida aqui fora, apesar de difícil, oferecia mais opções de resolução dos problemas. Então, agradeça pelos problemas e mais ainda por ter como resolvê-los, tem gente que nem isso consegue e ainda fica dependendo da “boa” vontade alheia.

Obrigado pela leitura.