OS SINAIS QUE NÃO PERCEBEMOS (Setembro Amarelo) – Maurício Rosa

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Lidar com dores invisíveis é um dilema, porque poucas pessoas entendem. A maioria das frases consoladoras envolvem verbos, adjetivos e pronomes que acusam o enfermo. A depressão possui camadas, desde um desconforto, um sono mais prolongado, um dia de silêncio, até a total exclusão. E quando essa última toma posse das emoções prepare-se, pode vir o pior.

 

Os julgamentos são variados: frescura, falta do que fazer, preguiçoso e até termos torpes como vagabundo ou falso. Tem muita gente que engole a depressão porque tem medo de falar, já que hoje em dia todo mundo tem uma solução para os problemas da vida alheia. E cuidado: a depressão pode ser hereditária, assim como alcoolismo e demais dependências químicas.

 

Alguns argumentam com falta de fé e espiritualidade, produzindo um estrépito ominoso que só piora a situação. Se não fosse fé, uma pessoa depressiva, com tendências suicidas, não aguentava tanta dor. Ainda mais depois que resolve encarar tudo de “cara limpa”. Chega a ser estafante esse tipo de discurso. Pessoas com transtornos emocionais têm mais fé do que qualquer outra. E eu falo por mim. Porque precisamos, mais do que nunca, crer no novo dia e, principalmente, nas pessoas que, em sua maioria, só decepcionam. Eu me afasto, bem ligeiro, de quem eu sei que não vai somar ou só pensa que tenho intenções lascivas. Perfídia. Fique com Deus, assim como eu estou.

 

Recentemente, pesquisadores de uma Universidade Americana, acompanharam depoimentos de amigos e familiares de uma menina que, infelizmente, fez o pior.

 

Seis meses antes, ela estava numa reunião num café, segundo elas, a garota foi a que mais contou piadas, estimulou a tirar fotos e falou sobre o futuro, mas não o dela. Quatro meses antes, no dia do seu aniversário, seus pais fizeram uma festa e ela foi quem mais se divertiu, estava tão eufórica que até causava estranheza. Na hora de “apagar as velas” – porque na verdade a gente apaga o fogo – não fez nenhum pedido, cortou um pedaço de bolo para cada um de seus pais e deu um beijo em suas testas. Três meses antes, ela fez uma viagem sozinha para um lago que ia todo ano com a família, passou o final de semana ao redor de uma fogueira tocando violão e lendo poemas. Voltou no dia e na hora que prometera aos pais.

 

Um mês antes, ela sacou toda sua poupança no banco e colocou o dinheiro dentro de um tênis. Ana, seu nome, seguiu alegre, fazendo exercícios físicos diários, brincando com o irmão, auxiliando os pais em tudo como sempre fizera, exceto quando entrou para debaixo do carro do pai oferecendo ajuda. Algo que nunca tinha feito.

 

Uma semana antes, Ana disse para sua mãe e seu pai que cozinharia para eles, era o dia de aniversário de casamento de seus genitores e ela queria fazer algo especial. E fez. E tudo isso banhado a fotos, vídeos e stories. Exageradamente.

 

Três dias antes, os pais de Ana despertaram e não a acharam no quarto. Ela estava dividindo cama com seu irmão. Na mesinha ao lado, um dos livros preferidos do garoto que ela havia lido para ele. Naquela noite, foram mais fotos de registro entre irmãos e os pais, felizes como nunca, com a atitude da filha.

 

Um dia antes, Ana, na escola, estava calada e apenas desenhava algo que ninguém poderia ver. Durante a tarde, em casa e sozinha, saiu para colher flores já que sua mãe não tinha tempo.

 

A última foto foi tirada com uma rosa branca em mãos.

 

Quando os pais de Ana chegaram em casa, seu corpo estava na cama, no ventre um bilhete e a rosa. A alma já estava rompendo as leis da gravidade rumo ao local em que sua crença levava.

 

O silêncio alheio não incomoda quem observa de fora, mas a cabeça de quem prefere conservar esse estado de afazia na fala é uma tempestade particular. Pessoas com tendências suicidas aplicam essa sinestesia entre o doce da felicidade visual nas redes sociais e o berro do sofrimento fora dela.

 

Lembre-se: cubos de gelo deixam partes do copo vazias, mas assim que derretem, tudo é preenchido.

 

Não ignore a tristeza, muito menos a exagerada euforia alheia. Converse. Neste tempo todo, ninguém perguntou pra Ana se ela estava bem. Mesmo notando a anormalidade de suas ações.

 

A depressão dela era eufórica, diferente da maioria das pessoas que se jogam numa cama e ficam em um quarto escuro. E que, acreditem: também são ignoradas.

 

Toda atitude nova, é praticada pra chamar a atenção, independentemente, da natureza.

 

Preste atenção nos sinais. Como os vários que Ana deixou antes de partir.

 

Meus pais me perguntam todo dia como passei a noite e, na manhã seguinte, me desejam um dia mais abençoado que o anterior. Isso faz toda a diferença.

#setembroamarelo