Quando a frase que sobra é: ” TÔ NEM AÍ” Mauricio Rosa

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Ângela e Nelson estavam sentados na recepção após fazer o check-in. Não uma recepção de aeroporto, mas de uma consultório terapeutico de casal. Há alguns meses, eles haviam perdido seu filho Lucas em um grave acidente de carro.

Um rapaz correto, ótimo com seus pais, humilde, caridoso e muito cuidadoso no trânsito, porém vítima da irresponsabilidade alheia que envolveu ebriedade e outras coisas mais. Ali, sentados na recepção, Nelson olhava para um quadro na parede, sem falar uma palavra, e isso vinha ocorrendo há meses. Ângela solicitou que ele acompanhasse ela à especialista.

– Ângela e Nelson. Disse a recepcionista. Podem entrar.

Sentados diante da terapeuta, a expressão dele seguia a mesma. Fechada, taciturna, morta

Ouvia-se apenas sua respiração. O corpo suava e o máximo que ele fazia era erguer a mão para limpar a testa úmida.

– Então, podem começar a falar. Disse a psiquiatra.

– É Nelson doutora, desde a tragédia, diz poucas palavras, abandonou emprego, amigos e eu me sinto sozinha em casa.

– Alguma a coisa a dizer Sr. Nelson?

– Tô nem aí.

– Viu. Disse Ângela. É sempre assim.

– Como o senhor como se sente após todos esses meses que sucedem a tragédia? Ou seja, após a precoce partida do seu filho.

– Tô nem aí.

– Ah, meu Deus. Disse a esposa.

– Calma senhora.

– Calma? Como? Parece que o “botão da vida” foi desligado. Eu venho aqui pra tentar ligar e você me pede calma?

– Sim, calma. Disse a médica. Seu marido não está só de luto, ele está sob uma condição clínica que impede ele de expressar as emoções.

A médica levantou da cadeira e pegou a miniatura de um cérebro e pôs em cima da mesa. O objeto era completo, com todos componentes que montavam o principal órgão do sistema nervoso e comecou a falar:

– a senhora sabe o que é isso, seria idiotice perguntar, mas peço atenção de ambo. Senhor Nelson, gostaria que olhasse para mim. Nessa parte temos as amígdalas, pequenos órgãos responsáveis por nossas emoções primárias.

Toda vez que sentimos algo, são elas que recebem a reação humana primeiro e então enviam ao cérebro para que ele decida que decisão nós devemos tomar.

O problema é que nem sempre dá tempo da amigdala enviar a informação, nós já reagimos a partir dela, através da ira, do choro, de ações como se atirar na frente de um carro pra salvar uma pessoa. Nossas primeiras reações são regidas por elas sejam boas ou ruins. Depois paramos pra pensar racionalmente.

– Então? Perguntou Ângela.

– Seu marido está de luto, assim como a senhora, mas não podemos esperar que todas as pessoas tenham a mesma reação diante da mesma situação.

O luto não é uma doença, ele é um estado emocional perene. Por quê? Vocês perderam um filho, logo, todas as lembranças, o cheiro, as roupas e tudo que remeta a ele, fará com que suas emoções passem por um desequilíbrio e o primeiro órgão que interpreta isso é a amígdala.

Então você chora, grita pra Deus, quebra coisas, pega o carro e sai sem rumo e só depois se dá conta do que está fazendo. Esse momento, quando você retoma a racionalodade, é seu cerebro agindo, através das informações que seu neocortex recebeu da amígdala, finalmente.

Muitas pessoas que retiram as amígdalas são frias e tem até tendências psicopatas, elas agem de acordo somente com a emoção, sem dar chance ao cérebro de interpretar alguma coisa. Elas não se arrependem e até repetem o ato, pois o órgão que poderia mandar informação ao cérebro para que ele fizesse a pessoa refletir sobre a ação, não existe mais.

– Mas o que ele tem? Perguntou Ângela. Que relação tem tudo isso?

– Precisaremoa de mais algumas sessões, mas existe uma grande possibilidade que seja uma condição chamada alexitimia.

– O que seria isso?

– Seu marido não sente emoção alguma. As emoções dele estão fora do campp de atuação e sem fazer as ligações necessárias para faze-lo chorar, ou ter qualquer tipo de reação. É como se ele tivesse sem as amígdalas, mas elas estão ali, tentando fazer o melhor delas.

O luto tem essa característica, quebrar, completamente, a ligação cérebro-coração fazendo-nos ficar em estado de melancolia perebe sem saber como reagiar ou simplesmente sem saber que nenhuma reação fará as coisas mudarem.

– Eu sei, mas eu preciso do meu marido de volta. Diz Ângela.

– Mas não é gritando e expressando seu luto no volume alto que o terá de volta. A senhora precisa respeitar a condição dele. Levará tempo.

– Eu aguento, eu o amo. Não vou sair de perto dele.

– Ótimo.

Muitas pessoas entram no chamado “choque” quando passam ou até observam uma tragédia. Nesse momento, as emoções estão tão agitadas e sem fazer as conexões corretas, por isso, o cérebro “desliga” e você fica no modo “off”.

Isso não acontece apenas no luto, mas também quando o amor da sua vida comete infidelidade, assim como seu melhor amigo ou alguma decepção tão grande lhe pega de surpresa.

O choro, raiva, ira, medo, são os primeiros sentimentos produzidos, e tirando choro e medo, os outros dois sempre merecem um tempo de espera, pois o cérebro precisa pensar numa resposta racional para que você não faça besteira. Quanto ao choro, um dos maiores benefícios é a limpeza da alma, existe sim o sentimento de alívio, as lágrimas possuem um hormônio que, antes de sair pelos olhos, são produzidos, em parte por endorfina.

Sem falar que, literalmente, as lágrimas limpam os olhos. Por isso, não sinta vergonha em chorar. J

á o medo trava a musculatura, e esse é o tempo crucial para seu cérebro decidir o que você deve fazer. Correr, gritar ou, simplesmente, ficar parado.

Tudo é emoção e elas já nascem em desenvolvimento, desde o nascimento quando o bebê chora por estar com fome ou quando faz alogo que o machuca e então não repete mais.

O problema, é quando adultos deixamos isso de lado e o impulso das amígdalas toma conta das nossas reações. Por isso, espere. Converse com alguém, aguarde. Seu cérebro jamais deixará você fazer algo irracional, a não ser que você seja um Serial Killer aí é outra história.

* * *

A alexitimia de Nelson talvez jamais tenha cura, mas aos poucos ele voltará com sua rotina. Trabalho, emprego e relação melhor com a esposa, mas o Nelson “antigo” jamais voltará a ser o mesmo. E é isso que precisamos entender nas pessoas. Elas mudam, umas para pior, outras para melhor.

Acompanhe essa mudança se você realmente a ama. E caso alguém não respeite suas emoções ou a falta delas, devido a um veemente trauma, saia de perto. A solitude produz maturidade. O silêncio parece bobagem, mas ele causa uma festa no cérebro e se você souber usar ele a seu favor, poderá aprender muito. Faça uma viagem, leia vários livros, aproveite momentos em família. Alimente sua emoções com conforto.

* * *

– Enquanto isso, o que faço doutora? Perguntou Ângela.

– Seu marido ainda a ama, ainda quer sua companhia, ele só precisa de compreensão. Comece com exercícios físicos, eles são ótimos para lidar com a dor. Depois, conversa com ele, mesmo que não haja resposta. Aceite que cada pessoa tem sua própria forma de reagiar.

– Tudo bem.

– Gostou da consulta amor? Se sente melhor? Questiona Ângela.

– Tô nem aí.