SOBRE O ROMANCE: “O VOO DAS SAIAS” DE VÂNIA BECKER- MAURÍCIO ROSA

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Enquanto escrevo esta crônica, escuto uma canção de Jacob Dylan, “Sleep Walker”. Esse cantor e compositor magnífico é filho de ninguém menos que Bob Dylan, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2015, o qual não foi receber. Dylan, o pai, contestou a academia pelo fato do número maioral de homens ganharem o prêmio, sendo que existem tantas escritoras tão incríveis também. Irônico, né? Um homem cobrando o valor de uma mulher. Coisas de Dylan, o pai.

Mas nem sempre foi assim. Aliás, em muitos lares continua não sendo assim: a mulher sendo submissa a determinadas funções, impedida de estudar, evoluir e realizar os sonhos, pois um dia, algum idiota disse que mulher só serve para lavar louça, roupa, cozinhar e parir. Em “O Voo das Saias”, da autora Vânia Becker, temos uma análise detalhada dessa total falta de evolução quando falamos nos direitos das mulheres, da sua liberdade, do impedimento da voz e da violência.

O livro conta a história de Maria Clara, uma mulher meiga, inteligente, batalhadora e justa que, infelizmente, é oferecida como esposa a um rapaz do qual não gosta. É triste demais ter que ler certos diálogos, sabendo que não se trata apenas de uma ficção. Maria Clara chega a sofrer todos os tipos de preconceitos, tendo que se manter calada. Mas ela não se cala de medo, cala-se, pois aquilo é um estilo de vida: “muié não respondi pro marido”. O fato é que mesmo diante de tanto sofrimento, Vânia conseguiu nos entregar um exemplo de mulher. Maria Clara nos mostra o poder da resiliência e da paciência, livrando-se de todo mal que sofre fazendo o bem. Essa foi para mim, a grande lição do livro.

Pensei em Jesus Cristo que, mesmo sabendo que morreria, inclusive quando e a forma como seria, ainda assim, cumpriu com sua missão na terra, deixando ensinamentos milenares e mostrando que a felicidade está em servir. Vânia nos entrega não apenas um livro, mas uma reflexão em cento e setenta páginas sobre até que ponto nossa sociedade mudou. Por que as mulheres são minorias em tudo? Exemplo: nosso legislativo municipal tem apenas uma mulher como representante.

A escritora nos traz, de maneira lancinante, o quanto isso tudo anda devagar. O árduo trabalho da mulher para provar ser digna de um cargo ou até mesmo de ser apenas ela. Sem ser vista como objeto, um produto que, ao ser pago, é consumido e descartado.

“O Voo das Saias” mexeu muito com minhas emoções, pois me peguei sendo, em alguns casos, confesso, tão retrógrado quanto um dos personagens. Lembrei de atitudes que hoje tenho muita vergonha, mas que, com o tempo eu consegui me livrar. Tanto que, atualmente, minhas melhores amizades são com mulheres. São nessas amizades que mais confio e através das mesmas aprendi a ter um novo olhar. Algo bem longe desse machismo escroto que ainda persiste em dar os ares e que até pouco tempo respirávamos em excesso.

“O Voo das Saias” deve estar na BIBLIOTECA MUNICIPAL, nas BIBLIOTECAS DAS ESCOLAS MUNICIPAIS, ESTADUAIS E PARTICULARES e principalmente, ser trabalhado pelos professores com seus alunos. Atentem a essa obra. A este grito que, para muitas mulheres, ainda está guardado, trancado, sufocado, aliado ao choro engolido com a saliva e o medo de viver. Não deve haver mais lugar onde uma mulher vive presa nas rédeas de uma sociedade extremamente machista, racista e violenta.

O déficit de leitura nas escolas é vergonhoso, sendo bem sincero, e a falta de leitura e produção de bons livros, inclusive locais, não é desculpa. Tem muita gente na cidade produzindo coisas incríveis. Por isso, rogo. Atentem a isso também.

Com relação à obra, a narrativa é muito bem fluída. As personagens são bem caracterizadas, algumas cativantes, outras torpes. As mulheres da obra vivem, na sua maioria, com cicatrizes profundas emocionais, provocadas pelas atitudes dos “homens” que tinham, na realidade, o papel de assediá-las, torturá-las, inclusive verbalmente e, por fim, espancá-las. 

O romance possui “flash backs”, em que a autora já vai nos dando breves sinais dos acontecimentos seguintes. Na técnica literária, chamamos isso de subplot, pois Vânia quebra a linha da narrativa, mas não deixa o leitor perdido, tarefa que só um autor de verdade consegue fazer. Por isso, o valor desta obra. Atentem também ao nome de todos os personagens, em cada um há uma mensagem. E já adianto, o final é digno de aplausos.

Leitura obrigatória para quem quer refletir sobre a sociedade antiga e atual. O papel fundamental do autor com sua época e os reflexos da falta de informação que faz as coisas girarem, ao invés de seguir uma linha reta e de frente para a evolução humana.

Obrigado, Vânia Becker, eu não uso saia, mas os meus pensamentos vestiram as deles e voaram profundamente com esta bela reflexão.