Um pouco da História do Rio Grande – parte II Prof. Dra. Elaine dos Santos

0
514

Em “O continente I”, primeiro volume da saga de “O tempo e o vento”, de Erico Verissimo, encontra-se o nascimento de Pedro Missioneiro, fruto de uma relação impura entre uma mulher indígena e um tropeiro português.

Como forma de purificação dessa criança, a mãe morre, mas, mais que isso, ela morre esvaída em sangue, o seu sangue transpõe o lençol, o colchão e são necessárias várias bacias embaixo da cama para “apará-lo”. Criado entre os jesuítas, Pedro Missioneiro tem uma fé inabalável e passa a dizer-se filho da Virgem Maria (é interessante porque ele, por exemplo, prevê exatamente como se daria a sua morte e ela acontece assim como ele descrevera!).

No mesmo cenário, ainda que fictício (dentro de um romance, portanto, apenas de papel) em que Pedro Missioneiro, viveu Sepé Tiaraju, que foi um dos grandes (se não foi o maior) herói das Guerras Guaraníticas travadas pela posse dos Sete Povos das Missões entre 1752 e 1756 e que, ao final, com a morte do guerreiro, seriam destruídos por portugueses e espanhóis.

Em 1975, Alcy Cheuiche publicou “Sepé Tiarajú – Romance dos Sete Povos das Missões”, que conta a história do lendário indígena, herói da resistência ao Tratado de Madri, que previa a entrega dos Sete Povos das Missões à Coroa Portuguesa. Além de traduções para espanhol e alemão, o livro traz ilustrações do desenhista uruguaio José Carlos Melgar.

Nunca é demais lembrar que Sepé Tiaraju já é reconhecido pela UNESCO como Panteão da Pátria Brasileira e a Arquidiocese de Bagé postula a sua canonização junto ao Vaticano. A República Guarani, experiência única vivida nos Sete Povos das Missões, é revivida no romance de Cheuice, assim como Sepé ressurge, em suas páginas, esplendoroso.

Aliás, não nos esqueçamos que Sepé Tiaraju andou peleando em nossa região. Em 1754, esteve presente no encontro entre as tropas de Gomes Freire e caciques guaranis às margens do Rio Jacuí, no atual território de Restinga Seca – naquele que seria o primeiro evento histórico possível de rastrear-se em solo restinguense, mas também, infelizmente, foi abatido em São Gabriel, nas cercanias do Arroio Caiboaté (daí ser conhecida como Batalha de Caiboaté).

Enquanto combatia os guerreiros guaranis em solo gaúcho, a Coroa Portuguesa preparava a ocupação da região que lhe coubera pelo Tratado de Madri e, para tal, começava a desocupação das Ilhas dos Açores, densamente povoadas. Os colonos receberam a promessa de terras, de sementes, de materiais agrícolas se viessem habitar a Colônia. De início, chegaram ao Desterro (hoje, Florianópolis), depois, foram sendo embarcados para a Fortaleza Jesus-Maria-José (núcleo original da cidade de Rio Grande), local em que não havia plantação, apenas criação de gado, o que constituiu um grande choque em sua alimentação.

A saga dos colonos açorianos, fruto das pesquisas do escritor Luís Antonio de Assis Brasil, é tema do romance “Um quarto de légua em quadro”, em que um narrador (portanto, fictício) que acompanha a viagem, o médico Gaspar de Freitas, conta as agruras enfrentadas. Depois de Rio Grande, os colonos seguem para Viamão e Porto Alegre e espalham-se, ocupando terras nos atuais municípios, por exemplo, de Santo Antônio da Patrulha e Cachoeira do Sul – certamente, herdeiros desses colonos espraiaram-se por nossa região e estão na gênese de nossos municípios. Mas isso fica para outro dia! Até porque eu preciso inserir Ana Terra e Pedro Missioneiro, o primeiro casal de “O tempo e o vento”, nessa história.