Um pouco da História do Rio Grande – parte IV Prof. Dra. Elaine dos Santos

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Sempre que eu penso na História do Rio Grande do Sul, seja oficial, seja oficiosa, eu tenho em mente o cavalo como referência. Aliás, há um excelente estudo sobre a equitação no mundo e com destaque especial para o nosso estado, trata-se de “Influência: uma história de como a equitação transformou o curso da humanidade e de como essas influências chegaram ao pampa para forjar o gaúcho”, de autoria de Henrique Fagundes da Costa.

Tenho insistido sempre que a região central do Rio Grande foi marcada pelo encontro das tropas portuguesas, sob o comando de Gomes Freire, destinadas à tomada dos Sete Povos das Missões, conforme determinava o Tratado de Madri (1750), e os caciques guaranis que defendiam as reduções jesuíticas. A figura lendária de Sepé Tiaraju, embora não fosse cacique, certamente, é uma das referências nesse contexto. Documentos históricos, como o diário do Padre Henis, atestam a sua presença no Passo do Jacuí, divisa entre os atuais territórios de Restinga Seca e Cachoeira do Sul; assim como é farta a documentação sobre o seu destino final em São Gabriel. Talvez seja desnecessário retomar toda a mítica que o liga ao município de São Sepé.

No cenário dos Sete Povos das Missões e de sua queda diante das tropas europeias, conforme a narrativa do romance “O tempo e o vento”, emergira a figura primeira do gaúcho, Pedro Missioneiro, filho bastardo de tropeiro paulista com mulher indígena que, grávida, fora abandonada para morrer à beira do caminho. Para purgar/limpar essa origem impura, o narrador apresenta o nascimento de Pedro em uma profusão de sangue e a morte da mãe. O menino, desde então, diz-se filho da Virgem Maria.

Na outra ponta dessa relação, aparece Ana Terra (terra é mãe, é permanência sob a compreensão de quase todas as culturas). Vinda de Sorocaba, interior paulista, um dos locais mais movimentados por seu comércio com Minas Gerais e a extração de minérios, ela acompanha o pai, um tropeiro aposentado, que recebera terras para ocupar no extremo sul, em conjunto com a família e ser fronteira viva contra os castelhanos.

Ana Terra e Pedro Missioneiro encontram-se, ela engravida, ele é morto pela família Terra, o menino nasce e, a princípio, é rejeitado pelo avô, mas que acaba cedendo aos encantos do pequeno Pedro Terra.

Mais uma vez, os castelhanos aparecem, destroem tudo, matam o pai e o irmão de Ana Terra, estupram-na à exaustão. Ana, a cunhada, a sobrinha e o filho seguem para Santa Fé, numa caravana que cruza pelo antigo rancho.

Pedro Terra casa-se com Arminda e eles têm dois filhos. Já se vivia o início do século XIX (19), o dono do povoado, Ricardo Amaral, convoca Pedro para um dos tantos entreveros (ou guerra, como queiram) nos campos sulinos. Ana Terra implora para que o filho não vá. O velho Amaral menospreza-o: “Gaúcho não morre na cama, morre em campo de batalha”. Passamos a acompanhar, na figura de Ana Terra, uma das tantas lutas das mulheres que forjaram o Rio Grande do Sul: enquanto os homens estão na guerra, elas cuidam de toda a lida e esperam…notícias ou a morte.

A jovem Bibiana, neta de Ana, filha de Pedro, cresce e, um dia, aparece um gaúcho vindo da Guerra da Cisplatina. É daquela estirpe de gaúchos que “nascem da terra”, cuja origem é desconhecida – um homem roubou uma china, colocou-a na garupa do cavalo, fugiram, mudaram os nomes e uma nova história começou.

O gaúcho que chegara à venda de Nicolau era Rodrigo Cambará, trazia uma carta de recomendação de próprio punho de Bento Gonçalves que fora seu comandante em território uruguaio. Vestia um uniforme militar da cintura para baixo e botas e bombachas da cintura para baixo.

Rodrigo Cambará evoca a figura mítica do gaúcho que o Romantismo de José de Alencar escolheu para representar uma nova estirpe sul-americana, cheia de brio, de honra, de coragem, para apresentar como contraponto ao português, o colonizador. O gaúcho emergia, então, na Literatura como um ser bifronte, o centauro dos pampas: peão nos tempos de paz, combatente nos tempos de guerra.

Nunca nos olvidemos, porém, que a origem do gaúcho, conforme o narrador não deixa de fixar no romance “O tempo e o vento”, é impura: mestiço, contrabandista, ladrão de gado e, frequentemente, de mulher alheia, características emblemáticas de Rodrigo Cambará, que não se furtou a, casado com Bibiana, enlevar-se por uma das imigrantes alemãs que chegara ao povoado e gabar-se de ter dois amores: uma na cor do café, outra na cor do leite.

Viriam os entreveros da Guerra dos Farrapos, quando estancieiros gaúchos se rebelaram contra o governo imperial do Brasil: cansados de fornecer tropas para as guerras na região do Prata e não receberam pagamento por isso; cansados de verem o charque uruguaio entrar no país com certas vantagens, eles proclamaram uma república, em que se abolia a escravidão. Mas se renderam – antes disso, Rodrigo Cambará morreria no sobrado da família Amaral, em Santa Fé.

“Sabe moço, que no meio do alvoroço, tivesse um lenço no pescoço, que foi bandeira pra mim…” Medalhas? Apenas para estanceiros! Rodrigo Cambará era apenas mais um gaúcho teatino.