Vida após morte e o dedo do anjo- Maurício Rosa

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Por que temos uma marca côncava entre o nariz e o lábio superior?

06/2020

José morrera no sábado as dezoito e quarenta e cinco. Ao redor do seu leito, estavam seus dois filhos, adolescentes, e sua esposa. O consumo de cigarros colocou uma placa de vencimento em seus pulmões, junto a um impiedoso câncer de pulmão.

 

A esposa de José sentia-se aliviada, pois, segundos antes, ele abriu brevemente os olhos e apertou sua mão, após a tão temerosa linha reta do aparelho avisar a partida. Uma amiga ligou e ela atendeu.

– Sim, ele se foi em paz e apertou minha mão antes de partir.

Muitos dizem que esse sinal de aperto de mão, olhares e demais reações que precedem a falência, é quando cérebro e corpo se desconectam de vez, sendo assim, o oxigênio é completamente cessado para a mente, então, um ser celestial surge para o humano e ao vê-lo, o ser humano reage com algo dotado de uma alva pura e calma.

– Finalmente ele descansou. Dizem todos.

Será? Pergunto eu.

Pós-morte.

Em algum lugar, José agora encontra-se sentado de frente para um homem que procura seus papéis.

– É Pelé, né? Perguntou o homem.

– Não, José.

– Nossa se fosse o Pelé eu teria tantas perguntas a mais, mas você é?

– José de Alencar Silva.

– Deve ter vivido uma ótima vida com um nome desses Disse o homem ainda procurando o arquivo de José.

– O que quer dizer com isso?

– Achei. Vamos lá.

O homem ficou lendo, e lendo, e lendo, e lendo.

– Você namorou uma mulher que hoje é uma top model aposentada e milionária?

– Éramos pequenos.

– Começou a fumar por causa do filme ” Goodfellas”, queria ser um gangster. No Brasil?

– Coisas de adolescente, mas o único crime que cometi foi roubar um pacote de mirabel da mercearia do meu tio. Depois me arrependi, devolvi e como presente de honestidade ele me devolveu. Vai antender.

– Ele ensinou-lhe uma lição. Garanto que nunca mais você roubou.

– Nunca.

O homem seguiu:

– Ótimo aluno na escola, rei das garotas apesar de nerd, claro, amante de livros. Você desmarcou trinta encontros enquanto lia a saga Senhor dos Anéis?

– O Frodo é o Frodo, né?

– Frodo é o Frodo. Idiota.

– O senhor é um anjo? Perguntou José.

O homem riu, por quase um minuto, depois começou a chorar.

– Há milênios me prometem essa função, mas não, sou só um analista.

– Isso aqui então é tipo um escritório e purgatório?

– Por aí. Mas você não verá Deus e nem o Jesus, seu caso é leve e não merece uma banca de avaliação tão célebre.

Nesse momento, abriu-se, no lado direito um buraco na parede com ondas de ar sugando levemente alguns papéis e no esquerdo uma porta escrita. “Again”.

– Não é a porta pra casa do Lenny Kravitz é uma opção de duas.

– Uma reencarnação?

– Sim. Para você que nunca teve uma religião definida, eu defini assim. Com católicos e demais, o escritório é outro e a conversa dura séculos. Ja estagiei lá.

– E se eu entrar no buraco?

– Ai nunca mais a gente vai se ver, o que seria ótimo, pois você já teve aqui dez vezes, fora outros palhaços que nem você que sempre voltam, sentam aí e perguntam: o que tá acontecendo? Eu nem respondo mais. Já que essa merda de promoção nunca sai, eu é que não vou me matar. Tenho colegas que ja estão em cargos muito mais altos, alguns pertos de D, mas, nada. Então, porta ou buraco?

– Pela porta eu volto à vida. Buraco eu sumo, mas pra onde?

– Nunca ninguém voltou de lá pra me dizer.

– Alguém já escolheu?

– Sim. Raul Seixas, Tim Maia, Tolkien, Elizabeth, a rainha e Hemingway. Por isso, nunca mais tivemos escritores desse nível, pois ao voltar a vida, alguns aspectos ficam no reencarnado. Ah! Michael Jackson também preferiu o buraco. Então, escolhe logo. Tem gente na fila. Agora mesmo um homem se engasgou no almoço, outro foi atropelado por uma moto e…

O homem hesitou. Isso é engraçado.

– Um homem pediu pra esposa pingar óleo em seu corpo, mas era óleo de amêndoas e o mesmo não sabia que era alérgico. Começou a se coçar em desespero e caiu pela janela do prédio. Pelado. Ela pegou o dinheiro, passou do lado do corpo, na rua, e entrou no primeiro salão de beleza que encontrou. Essa é uma que eu queria muito conhecer, mas é tão má que vai direto pra côrte principal.

– Quem é ela?

– Uma garota de programa, de luxo, ela assassina seus clientes com base em muito estudo. Uma psicopata perigosíssima. Então, decidiu?

– Porta.

– Tá bom. Vá com você mesmo, porque Deus está ocupado demais pra sua vida sem graça.

– Só uma uma última pergunta? Questionou José, vou me lembrar das coisas?

– Não. Sabe o motivo de vocês humanos terem essa marca entre o nariz e o lábio superior?

– Não.

– Tchau!

07/1950

José Amarildo e Antonieta se conheceram na faculdade. Um amor intenso e cheio de planos. Após dois anos de namoro, casaram-se e, depois de muita festa, veio a tão sonhada lua de mel.

Após meses de gravidez, e já com o cérebro formado, José começa a receber todas as informações das vidas anteriores que teve, mas ele não pode crescer sabendo de suas outras vidas. Então, um anjo celestial desce e põe o dedo entre seu nariz e lábio superior, executando uma onomatopeia “shhh”. O que pode fazer José ter uma vida diferente? Ele pode ter isso? Dejavu, sonhos e tudo mais podem ajudar? Bom, a crença fica por conta sua. Eu tenho a minha, só para deixar claro.

No escritório do homem da vida após a morte chega o homem enganado pela garota de programa.

– Eu estava esperando ansioso por você.

E poucos anos depois, a garota de programa psicopata está na corte com J. D mau que quer levar ela para baixo, acha que será útil para alguns experimentos. J quer que ela suba e deseja dar aulas para que se torne um espírito melhor. Ela levanta e faz uma pergunta que faz todo o universo celestial tremer.

– E por que não posso voltar? E aquela história de reencarnação. Eu tenho meus direitos.

Deus aparece lindamente, ela provoca.

– Uau. Que gato. Quem é você?

– Eu sou Deus e você vem comigo. Sentará no meu trono, cheia correntes e sob a sentinela de três tigres tristes, dois leões, um leopardo e trarei Golias de volta.

– Por que tudo isso, pai? Pergunta Jesus.

– Segurança. Apenas segurança. Continuem com os julgamentos.

– Quem é o próximo? Perguntou D mau.

– Felipe Neto. Reapondeu Jesus.

– É meu – disse D – a cama dele está bem quentinha.

E você, acredita em vida após a morte?

Obrigado pela leitura.